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Há quem acredite que viver sem ansiedade seria o ideal.
Imagina-se uma vida leve, sem angústia, sem apreensão, como se a serenidade permanente fosse sinônimo de equilíbrio.
Mas na realidade, o ser humano não vive sem ansiedade, ela é parte do tecido da existência, uma pulsação inevitável da vida psíquica.
A tentativa de eliminá-la por completo seria, em certo sentido, negar aquilo que nos torna humanos.
Freud já indicava que a ansiedade é um sinal do eu, uma espécie de alarme interno que anuncia um perigo real ou simbólico que ameaça o equilíbrio psíquico.
Ela surge quando algo do inconsciente se aproxima demais, quando um desejo recalcado tenta atravessar o limite da consciência.
É o corpo e a mente reagindo à iminência do que não se pode controlar.
Assim, a ansiedade não é inimiga: é uma mensageira do inconsciente, uma forma de comunicação entre o que sabemos e o que preferimos ignorar.
Lacan, por sua vez, acrescenta uma nuance decisiva: a ansiedade não engana.
Ela não é uma ilusão nem uma distorção, mas um sinal autêntico de que algo do real, aquilo que escapa à simbolização está se aproximando.
Diferente do medo, que sempre tem um objeto identificável, quando a pessoa diz: “tenho medo de perder o emprego”, “tenho medo de adoecer”, a ansiedade é difusa, sem rosto.
É o desconforto de sentir que algo está por vir, sem saber o quê é.
Essa ausência de objeto é justamente o que a torna tão perturbadora.
A ansiedade é a presença de uma falta: a falta do objeto desejado, a falta de respostas, a falta de garantias.
É o vazio que se manifesta como inquietação, o eco de um desejo que ainda não encontrou forma.
Viver é, inevitavelmente, estar exposto ao desconhecido.
Desde o nascimento, o bebê grita porque se vê lançado num mundo que não compreende.
Esse grito primordial é, talvez, a primeira experiência de ansiedade: o impacto de um real que não cabe na linguagem.
À medida que crescemos, aprendemos a dar nomes às coisas, a construir sentidos, mas o vazio nunca desaparece por completo.
A ansiedade, em doses naturais, impulsiona o sujeito à ação.
É o que nos move diante de um desafio, o que nos faz preparar melhor para o inesperado, o que mantém a atenção viva.
Freud dizia que, em certo grau, ela tem um papel protetor: o ego aprende a antecipar o perigo e a se organizar para enfrentá-lo.
Nesse sentido, a ansiedade é um ensaio de sobrevivência.
Pensemos na ansiedade antes de um encontro importante, de uma entrevista ou de uma decisão amorosa.
Ela faz o coração acelerar, a respiração mudar, os pensamentos se tornarem mais intensos.
É o corpo se ajustando à incerteza.
Se tudo fosse absolutamente calmo, não haveria movimento, nem desejo, nem criação.
Mas quando essa energia transborda, o sujeito se vê dominado por ela, é aí que a ansiedade se torna patológica.
O excesso transforma o aviso em prisão.
A ansiedade extrema é o grito do inconsciente que o sujeito não consegue escutar de outra forma. Ela pode se manifestar diante do conhecido, como o medo de um evento previsível, um exame, uma conversa difícil, uma separação ou do desconhecido, quando o sujeito nem sabe o que teme, apenas sente um mal-estar sem nome.
Há também a ansiedade provocada pela falta, por aquilo que falta ao sujeito e que ele tenta preencher com objetos, pessoas, conquistas ou distrações.
É a ansiedade de quem sente saudade de algo que talvez nunca tenha existido; de quem busca no futuro uma promessa de completude que jamais se cumprirá.
Em muitos casos, a ansiedade extrema é o sintoma de um impasse do desejo.
O sujeito deseja algo, mas teme as consequências desse desejo.
Quer avançar, mas não suporta o que pode perder.
Entre o querer e o não querer, o corpo entra em curto-circuito.
A angústia de Lacan nasce exatamente nesse ponto, quando o desejo se aproxima demais do objeto que o sustenta.
O sujeito sente-se ameaçado por algo que, em teoria, ele próprio queria.
É como se o inconsciente dissesse: “Você não sabe o que deseja, mas o desejo sabe quem você é.”
A ansiedade tem também uma dimensão temporal.
Ela é o sintoma de uma mente que tenta controlar o que ainda não aconteceu.
A pessoa ansiosa se projeta no futuro em busca de garantias, de segurança, de certeza.
Quer saber o que virá, quer evitar o imprevisto.
Mas o futuro, por definição, é o lugar do desconhecido, e é justamente essa impossibilidade de controle que alimenta a angústia.
Há também a ansiedade voltada ao passado.
Alguns vivem presos àquilo que não podem mais mudar, remoendo culpas, perdas e saudades.
É uma tentativa inconsciente de reparar o irreparável.
Freud chamou isso de neurose obsessiva do tempo: o sujeito repete mentalmente as cenas do passado como se pudesse, um dia, modificá-las.
Mas nem o futuro nem o passado são domínios habitáveis.
Viver no tempo da ansiedade é viver fora do presente.
E o presente, paradoxalmente, é o único tempo que o sujeito realmente possui.
A ansiedade também é uma experiência do olhar do Outro.
Muitas vezes, o sujeito se angustia não pelo que vive, mas pelo que imagina que o Outro espera dele.
É a ansiedade de corresponder, de ser aceito, de ser suficiente.
Freud já descrevia essa dinâmica no Mal-estar na Civilização: o preço da vida em sociedade é a repressão de nossos impulsos, e essa repressão gera conflito, culpa e, inevitavelmente, ansiedade.
Na clínica, percebe-se que boa parte das crises ansiosas nasce do excesso de exigência: a tentativa de ser sempre produtivo, admirado, perfeito.
O sujeito moderno, preso à lógica da performance, transforma o próprio desejo em obrigação.
Vive em função de metas, resultados e comparações, e o inconsciente responde com sintomas.
Lacan diria que o sujeito está alienado ao discurso do Outro, ao ideal que o domina.
A ansiedade surge quando esse ideal começa a ruir, quando o sujeito percebe que não há como ser tudo para o Outro, nem para si mesmo.
Freud mostrou que o desejo humano é, por natureza, insatisfeito.
Desejamos porque nos falta algo e essa falta é estrutural, não um defeito.
A tentativa de eliminar a falta é uma ilusão que só aumenta o sofrimento.
A ansiedade é, portanto, o sentimento da falta viva.
É o eco daquilo que nunca se completa.
Quando o sujeito tenta anular essa falta com o consumo, com o excesso de trabalho, com o controle, acaba reforçando o ciclo da insatisfação.
Lacan ressignifica essa ideia ao afirmar que o desejo não deve ser eliminado, mas sustentado.
É o desejo que nos mantém vivos, ainda que nos cause desconforto.
O desafio é não fugir da falta, mas escutá-la.
A psicanálise não busca eliminar a ansiedade, mas transformar sua função.
Ao falar, o sujeito começa a reconhecer os significantes que organizam seu sofrimento.
Descobre o que teme perder, o que tenta controlar, o que evita desejar.
Freud dizia que o sintoma fala no lugar do sujeito e a ansiedade é uma dessas falas.
Quando o paciente a nomeia, algo muda.
O sintoma perde força porque o sujeito começa a dar sentido àquilo que antes o dominava.
Na escuta analítica, a ansiedade deixa de ser um inimigo e se torna uma via de acesso ao inconsciente.
Ela aponta o lugar exato onde o sujeito se defende de si mesmo.
E é justamente ali, nesse ponto de dor e desorganização, que se abre a possibilidade de transformação.
Aceitar a ansiedade não significa se conformar com o sofrimento, mas reconhecer que ela é parte integrante da vida.
Em vez de combatê-la, é possível escutá-la, compreender o que ela anuncia.
Viver sem ansiedade seria viver sem desejo, sem expectativa, sem relação com o desconhecido.
A serenidade total seria, paradoxalmente, a morte do sujeito enquanto ser desejante.
A verdadeira liberdade não está em eliminar a ansiedade, mas em reconhecer o seu papel simbólico: ela nos lembra de que somos incompletos, finitos, e que essa incompletude é o motor da existência.
Em algum nível, todos vivemos entre o medo e o desejo, entre a falta e a busca.
A ansiedade é a marca desse intervalo, o sinal de que ainda estamos vivos, desejando, tentando dar sentido ao que nos escapa.
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