A Ansiedade e o Tempo.

 


Quando o Passado e o Futuro Se Tornam Prisões do Desejo.

A ansiedade é, talvez, um dos afetos mais comuns e, ao mesmo tempo, mais enigmáticos da experiência humana.

Ela se manifesta como uma inquietação constante, uma sensação de que algo está prestes a acontecer, mesmo quando nada de concreto se apresenta diante de nós.

O médico neurologista dr. Sigmund Freud observou, desde os primeiros tempos da psicanálise, que a ansiedade já estava profundamente ligada à relação do sujeito com o tempo, com o passado que o marca e o futuro que o ameaça.

Já o dr. Jacques Lacan, ao retomar essa ideia, propôs que a angústia é o único afeto que não engana, pois ela indica a proximidade do desejo e do real, aquilo que escapa à simbolização e rompe a linearidade temporal.

Muitas pessoas em crise de ansiedade permanecem presas a um padrão inconsciente que as leva a buscar, de forma repetitiva, um tempo que já passou, um momento da vida em que acreditam ter sido mais felizes, mais seguras, mais completas.

Outras vivem em função de um tempo que ainda não chegou, um futuro idealizado, construído por expectativas e fantasias que prometem a realização plena.

Em ambos os casos, o sujeito se encontra fora do presente, vivendo em um entre-lugar: nem mais no passado, nem ainda no futuro, mas distante da experiência viva do agora.

Essa prisão temporal é uma das características mais sutis da ansiedade.

O sujeito se torna refém de uma promessa inconsciente, a de que, se conseguir reviver o passado ou antecipar o futuro, finalmente encontrará a paz.

O inconsciente o convence de que a felicidade depende desse reencontro impossível, seja com um tempo perdido, seja com uma projeção que nunca se concretiza.

Mas há um ponto fundamental, tanto o passado quanto o futuro, quando tomados como objetos de desejo, são construções psíquicas.

O passado não é um conjunto fixo de fatos, é uma narrativa constantemente reescrita pela memória, atravessada por desejos, faltas e fantasias.

O futuro, por sua vez, é uma ficção que organiza o presente, uma tentativa de dar forma àquilo que ainda não existe.

Em ambos, o sujeito se depara com o impossível, o passado não pode ser revivido, e o futuro nunca chega da forma como foi imaginado.

Na clínica, vemos que esse aprisionamento ao tempo pode se manifestar de maneiras diversas.

Há aqueles que vivem em nostalgia constante, presos à ideia de que “naquela época” eram mais felizes, mais amados ou mais compreendidos.

Tentam reproduzir situações, relacionamentos ou modos de vida que já não cabem no presente.

Outros, ao contrário, vivem na ansiedade de conquistar algo que ainda não veio, o emprego perfeito, o relacionamento ideal, a estabilidade que trará segurança.

Vivem como se o presente fosse apenas uma sala de espera para o futuro.

O resultado é o mesmo, uma vida suspensa, onde o agora é sempre insuficiente.

A ansiedade surge, então, como o afeto que denuncia esse desencontro com o tempo real.

O Tempo e o Desejo.

Freud relacionou a ansiedade à perda do objeto e à expectativa da perda.

O bebê, ao se ver separado do seio materno, experimenta a primeira forma de angústia, a ausência do objeto de satisfação.

Essa ausência funda a estrutura do desejo.

Desde então, todo desejo humano carrega algo dessa busca incessante pelo que se perdeu e não pode ser recuperado.

Lacan amplia essa ideia ao afirmar que o desejo é sempre desejo de algo que falta, e que essa falta é constitutiva do sujeito.

A ansiedade, nesse contexto, aparece quando o sujeito se confronta com o real dessa falta, quando percebe que nenhuma recuperação do passado nem conquista futura poderá preencher o vazio que o constitui.

O inconsciente, entretanto, insiste.

Ele cria fantasias que prometem reparar a perda original.

É nesse ponto que surgem as repetições, comportamentos, relações e pensamentos que tentam recriar uma cena passada, com a esperança de que, desta vez, o desfecho será diferente.

Mas como o tempo não volta, o sujeito fica preso a uma espiral de repetições, cada vez mais frustrado, alimentando o ciclo da ansiedade.

O Tempo e o Impossível.

O retorno ao passado é impossível, mas o inconsciente não reconhece essa impossibilidade de modo racional.

Ele insiste em tentar, Lacan chamou esse movimento de “repetição do impossível”, a tentativa do sujeito de reencontrar um gozo perdido.

Esse gozo, que nunca foi plenamente vivido, é uma construção simbólica, uma lembrança imaginária de algo que supostamente o completaria.

Quando o sujeito se fixa nessa busca, o tempo deixa de fluir.

Ele vive em suspensão, num presente invadido pelo passado e pelo futuro.

O agora se torna apenas o cenário onde a fantasia se repete.

A ansiedade, então, é o sinal de que algo está se repetindo, um alerta do inconsciente de que há um desejo aprisionado no tempo.

No processo analítico, essa repetição pode ser escutada.

O analista não busca eliminar o sintoma, mas dar-lhe lugar na fala.

É na palavra que o sujeito começa a simbolizar o que antes era apenas vivência corporal e afetiva.

Ao falar, ele se escuta, e ao se escutar, pode reconhecer o desejo que o movimenta.

A Escuta e o Tempo Analítico.

O tempo da análise não é o tempo cronológico.

Ele é o tempo do inconsciente, feito de repetições, lapsos, retornos e silêncios.

Quando o sujeito fala, ele muitas vezes retorna a cenas antigas sem perceber.

Reconta uma história, mas cada vez de forma diferente.

Esse movimento é a prova de que o passado não é fixo, ele se transforma na medida em que é narrado.

Ao longo da escuta, o sujeito pode perceber que o que buscava no passado era, na verdade, uma forma de lidar com a própria falta.

E que o que projeta no futuro é, em muitos casos, uma tentativa de reparar essa falta. Essa descoberta abre espaço para um novo posicionamento diante do desejo.

Reconhecer a própria falta não é resignar-se, mas libertar-se da ilusão de completude. Quando o sujeito aceita que o vazio faz parte de sua estrutura, o tempo volta a fluir.

O presente deixa de ser prisão e passa a ser o lugar onde o desejo pode se reinventar.

Trauma e Ansiedade.

Nem toda ansiedade se explica pela relação com o tempo simbólico.

Em alguns casos, ela está ligada a um trauma inconsciente, um evento que deixou marcas no psiquismo, mas que não pôde ser simbolizado.

Freud descreveu o trauma como um excesso de excitação que o aparelho psíquico não conseguiu elaborar.

Esse excesso retorna sob a forma de sintomas, sonhos ou angústia.

O trauma rompe a continuidade temporal.

Ele cria uma fissura no tempo da vida, o antes e o depois do acontecimento.

O sujeito pode permanecer preso a esse ponto, como se parte de si tivesse ficado congelada ali.

Nessas situações, a ansiedade não é apenas medo do futuro ou saudade do passado; é o retorno constante de um afeto não elaborado.

A análise, nesse caso, tem a função de reinscrever o trauma na história simbólica do sujeito.

Ao falar sobre o que antes era indizível, o sujeito começa a dar forma àquilo que o paralisava.

O tempo pode, então, se recompor.

Entre o Passado e o Futuro: o Presente como Possibilidade.

Viver o presente não significa esquecer o passado nem abandonar o futuro.

Significa reconhecer que ambos existem dentro de nós como dimensões simbólicas, mas que a vida acontece agora.

O presente é o único tempo onde o sujeito pode agir, desejar e criar.

Quando a ansiedade é escutada e não silenciada, ela pode se transformar em motor de movimento.

Ela indica que há algo a ser olhado, algo que insiste em se repetir.

Ao se abrir à escuta de seu próprio inconsciente, o sujeito deixa de lutar contra o tempo e passa a dialogar com ele.

A psicanálise não promete eliminar a ansiedade, mas possibilitar uma nova relação com ela.

Freud dizia que o objetivo da análise não é tornar o indivíduo feliz, mas capaz de amar e trabalhar.

E para isso, é preciso estar presente no tempo e na própria vida.

A Dimensão Ética do Tempo.

Lacan propôs que o tempo da subjetividade é ético.

Isso significa que cada escolha implica um posicionamento diante do desejo.

O sujeito que vive aprisionado ao passado ou projetado no futuro abdica de escolher no presente.

Ele se torna refém de uma história que o repete.

O trabalho analítico convida o sujeito a se responsabilizar por seu próprio tempo, não o tempo do relógio, mas o tempo de sua história.

Essa responsabilidade não é culpa, mas um gesto ético, reconhecer que há um desejo que o move e que ele pode escolher o que fazer com isso.

Conclusão.

A ansiedade, portanto, não é apenas um sintoma a ser eliminado, mas um sinal a ser interpretado.

Ela revela o modo como o sujeito se relaciona com o tempo, com o desejo e com a falta. Quando compreendida e simbolizada, a ansiedade deixa de ser ameaça e se torna caminho de autoconhecimento.

Se, contudo, a ansiedade apresentar sintomas físicos intensos, palpitações, falta de ar, tontura, insônia ou dores persistentes, é fundamental procurar um médico.

A avaliação clínica é parte do cuidado, pois o corpo e o psiquismo estão em constante diálogo.

No encontro entre o tempo, o corpo e o desejo, a psicanálise oferece uma possibilidade, transformar a repetição em criação, o medo em movimento e o sintoma em linguagem. Assim, o sujeito pode, enfim, deixar de ser prisioneiro do tempo para tornar-se autor de sua própria história.

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