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Quem nunca desejou apagar da mente algo que doeu demais?
Uma traição, uma perda, uma humilhação, um trauma.
É comum termos esses pensamentos.
“Se eu pudesse esquecer isso, minha vida seria bem mais leve.”
Não é à toa que tantos livros, filmes e até promessas milagrosas vendem a ideia de que existe uma forma de deletar lembranças ruins, como se nossa mente fosse um computador com a tecla delete.
No senso comum, esse desejo é tão forte que se fala até em pílulas capazes de apagar memórias, terapias instantâneas que garantem “cura rápida” ou técnicas que prometem um desligamento emocional definitivo.
Mas será que isso existe mesmo?
A ciência, a psicologia e, especialmente, a psicanálise nos mostram outra realidade.
E aqui não é para desanimar você.
Pelo contrário.
A boa notícia é que, embora não possamos “deletar” lembranças como quem apaga uma foto do celular, existe um caminho muito mais profundo e libertador.
O de transformar a forma como lidamos com aquilo que nos marcou.
Porque uma memória não precisa continuar sendo um peso eterno, ela pode deixar de aprisionar e ganhar outro lugar na sua história.
Freud, fundador da psicanálise, mostrou que experiências dolorosas, desejos proibidos e lembranças traumáticas não desaparecem só porque queremos.
Quando algo é insuportável, nossa mente lança mão de um mecanismo chamado recalque.
Ela empurra para fora da consciência o que causa sofrimento.
Isso significa que não pensamos diretamente nisso todos os dias, mas o conteúdo continua atuando em nossa vida, de forma escondida, inconsciente.
Pense em alguém que sofreu uma humilhação pública na adolescência.
Anos depois, ao falar em público, essa pessoa pode sentir uma ansiedade desproporcional, suar frio, ter taquicardia.
O evento original não está mais consciente, mas a emoção ligada a ele se repete e invade o presente.
Ou seja, não basta dizer que “isso já passou”, porque, de certa forma, não passou.
O passado insiste em retornar.
Esse retorno pode acontecer de maneiras sutis.
Pode retornar numa frase mal colocada, num sonho, numa reação exagerada a algo aparentemente banal.
Às vezes, é como se a vida atual fosse atravessada por fantasmas de outra vida.
E esses fantasmas, quanto mais tentamos ignorar, mais parecem se impor.
É natural que o ser humano queira atalhos.
Quem está sofrendo procura desesperadamente algo que resolva rápido.
Uma técnica para “resetar” o cérebro, uma pílula para não sentir mais dor, uma fórmula para esquecer.
A indústria do bem-estar e até certas promessas terapêuticas exploram esse desejo, oferecendo soluções imediatistas.
Mas aqui está o perigo.
Quando acreditamos que é possível apagar memórias ruins de uma vez por todas, caímos numa armadilha.
Primeiro, porque isso não acontece de verdade; segundo, porque ao tentar calar o que retorna, acabamos criando novos sintomas.
O que foi recalcado encontra outras saídas: pode aparecer em forma de crises de ansiedade, depressão, compulsões, ou até mesmo doenças psicossomáticas.
Um exemplo comum.
Alguém que viveu um luto não elaborado e decide “seguir em frente sem pensar nisso”.
Essa pessoa pode parecer forte, mas, meses depois, começa a ter dores constantes no corpo, crises de choro sem motivo aparente ou até ataques de pânico.
O luto não desapareceu, ele apenas encontrou outras formas de se manifestar.
Por isso, soluções mágicas que prometem eliminar memórias ruins são ilusórias.
Podem até trazer alívio temporário, mas não resolvem o núcleo do sofrimento.
É como varrer a poeira para debaixo do tapete: o problema continua lá, esperando a hora de reaparecer.
É aqui que entra a contribuição essencial da psicanálise.
O que faz diferença não é tentar apagar, mas, falar.
Desde os tempos de Freud, descobriu-se que a fala tem um poder transformador.
Ao colocar em palavras aquilo que dói, o sujeito abre espaço para reorganizar sua vida psíquica.
É importante destacar que, não é qualquer conversa que traz esse efeito.
Falar com um amigo pode aliviar momentaneamente, mas, muitas vezes, vem carregado de julgamentos, conselhos rápidos ou comparações como esta.
O pior seria se tivesse acontecido algo…”, “você precisa esquecer”, “isso não é nada”.
Essas frases, ainda que bem intencionadas, acabam empurrando de volta aquilo que tentava aparecer.
No espaço analítico, a fala tem outro estatuto.
O analista não julga, não dá respostas prontas, não corta o fio da associação.
Ele escuta de uma forma diferente, permitindo que o sujeito vá se ouvindo e se surpreenda com o que diz.
É nesse processo que memórias recalcadas podem emergir, ser reconhecidas e, pouco a pouco, ganhar um lugar simbólico menos doloroso.
Muitos textos usam a metáfora da panela de pressão.
Quanto mais você guarda, maior o risco de explodir.
Mas podemos pensar de outra forma.
Imagine sua mente como uma casa antiga, com muitos cômodos. Alguns estão bem cuidados, outros são pouco visitados, e alguns permanecem trancados.
Dentro desses quartos fechados há objetos, lembranças, emoções que não queremos encarar.
Só que, mesmo trancados, esses cômodos influenciam a casa toda, há correntes de ar, ruídos, sombras que escapam pelas frestas.
A psicanálise não arromba as portas, nem força você a entrar de uma vez.
O processo é lento, respeitoso, no ritmo do sujeito.
Aos poucos, um quarto pode ser aberto, e aquilo que estava guardado começa a ser olhado, nomeado, elaborado.
Não é destruir o cômodo, nem jogar tudo fora, mas reorganizar, dar um novo lugar.
Quando conteúdos recalcados não encontram espaço de elaboração, podem gerar sérias consequências para a saúde mental.
Ansiedade, depressão, fobias, compulsões, dificuldade de se relacionar, sensação de vazio, tudo isso pode ser expressão do que foi recalcado.
Além disso, a ausência de elaboração pode levar a repetições dolorosas.
Freud chamou isso de “compulsão à repetição”, o sujeito se vê vivendo sempre o mesmo enredo, como se estivesse preso num ciclo.
Por Exemplo.
Alguém que, desde cedo viveu abandono pode se envolver repetidamente com pessoas que acabam indo embora.
À primeira vista, parece azar.
Mas, em análise, percebe-se que há uma busca inconsciente de reviver e tentar resolver a cena original.
Sem elaboração, o sofrimento se repete.
Em muitos casos, o silêncio prolongado pode intensificar o sofrimento.
O que foi recalcado retorna de forma ainda mais intensa, podendo gerar crises de pânico, episódios depressivos profundos, comportamentos autodestrutivos ou até rompimentos com a realidade, no caso de quadros psicóticos.
Nessas situações, o sujeito pode sentir que a vida perdeu o sentido, recusar qualquer ajuda e acreditar que não há saída.
É um risco sério, que exige cuidado imediato, muitas vezes incluindo acompanhamento médico e psiquiátrico, além do espaço de análise.
Por isso, o alerta é fundamental.
Não espere o sofrimento virar explosão para procurar ajuda. Quanto mais cedo o processo de fala e elaboração começar, maiores as chances de evitar complicações graves.
A psicanálise não oferece uma pílula do esquecimento.
O que ela oferece é algo mais valioso, a possibilidade de transformar a relação com as próprias lembranças.
Isso significa que uma memória dolorosa pode deixar de ser um peso paralisante e se tornar parte da história, sem impedir que a pessoa viva, ame, trabalhe e construa novos caminhos.
O passado não é apagado, mas pode deixar de aprisionar.
Pense em alguém que perdeu uma pessoa querida de forma traumática.
No início, falar disso pode ser impossível.
Com o tempo, em análise, essa pessoa encontra palavras para narrar a perda, para dar sentido ao vivido.
A dor não some, mas ganha um lugar.
A lembrança permanece, mas não domina mais.
Muitos acreditam que precisam enfrentar tudo sozinhos.
Mas procurar um analista não é sinal de fraqueza.
Pelo contrário, é um ato de coragem.
É reconhecer que existe algo dentro de si que merece atenção, em vez de continuar sendo empurrado para os porões da mente.
Assim como buscamos um médico diante de sintomas físicos persistentes, buscar um psicanalista diante de sofrimentos que se repetem é um gesto de responsabilidade consigo mesmo.
A fala é a via pela qual o sujeito se reconstrói.
Ao falar, você pode se surpreender descobrindo forças, sentidos e possibilidades que antes pareciam inacessíveis.
Não se trata de apagar o passado, mas de viver de outro modo em relação a ele.
“Apagar memórias ruins” é um desejo humano compreensível, mas impossível.
O que a psicanálise mostra é que não precisamos viver presos ao que nos feriu.
Falar, elaborar e transformar é o caminho para que o passado deixe de dominar o presente.
Não espere pela “pílula mágica” que nunca chegará.
Procure um espaço de escuta, dê voz ao que dói, permita-se reconstruir.
Esse é o verdadeiro movimento de liberdade.
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